terça-feira, 4 de agosto de 2009

Encosta sua cabecinha...



"A importância da amizade

Cada vez mais importantes na escala de prioridades das brasileiras, as amizades provocam no corpo o natural high, uma descarga de substâncias que dão a mesma doideira que as drogas


Por: Chico Araújo e Vinícius Rodrigues


O escritor Nelson Rodrigues proclamou, admiradíssimo:

“Amigo é o maior acontecimento!”.

Comuns desde o início da palavra escrita, odes à amizade desse tipo encontram respaldo cada vez maior nas estatísticas – e são cada vez mais comuns no comportamento feminino. Pesquisa Ibope feita a pedido da editora Abril esquadrinhou as preferências de 1,6 mil mulheres entre 18 e 48 anos espalhadas por sete capitais – e mostrou números que podem causar assombro em quem acredita que o excesso de laços de amizade pode empobrecer a individualidade.

Amizades em alta
O levantamento mostra, por exemplo, que para mulheres da classe AA, “ter amigos” está em segundo lugar em uma escala de quatorze prioridades para viver bem, abaixo apenas do item “ter saúde”. E é mais importante do que coisas como “estabilidade financeira”, “relacionamento amoroso”, “um bom emprego”, “tempo para a família” e até “sentir-se feliz”. Entre as mulheres da classe AB, manter uma rede de companheirismo é igualmente importante. Para essa camada social, amigos ficam em quinto lugar na escala – e ganham de itens como “ter saúde”, “segurança contra a violência” ou mesmo “uma vida sexual boa”. A pesquisa transformou em números um fenômeno evidente nos últimos anos: com os novos tipos de famílias, os amigos vão ganhando terreno. “Na formação tradicional, as relações familiares tinham um peso maior. Mas isso mudou, pessoas do mesmo sangue se encontram menos e a amizade ocupou esse espaço”, explica a psicanalista Magdalena Ramos, coordenadora do Núcleo de Casal e Família da PUC-SP e autora do livro Introdução à Terapia Familiar. O ritmo de vida, dizem os especialistas, também coloca as amizades em alta. “Muita gente muda de cidade em busca de diploma e emprego”, lembra a historiadora Mary Del Priore, autora de História das Mulheres no Brasil. “Essa nova configuração explica a distância da família e sua substituição pelas amizades”, completa ela.


Química cerebral
Explicadas do ponto de vista sociológico, as boas amizades são capazes de provocar também um fliperama cerebral que ativa drogas produzidas pelo próprio corpo. É o que os cientistas chamam de natural high. Ou seja: bons amigos dão barato, provocam uma doideira natural. Ficar ao lado da sua turma libera substâncias como a dopamina, neurotransmissor produzido em uma região do cérebro chamada “circuito do prazer” e que provoca uma sensação boa, de “quero mais”. Dar boas risadas com as suas amigonas sacoleja a química cerebral e joga endorfina no sangue. Assim, os músculos faciais se contraem e provocam uma sensação generalizada de relaxamento corporal. Manter-se por perto de pessoas com quem se tem afinidades ativa substâncias relacionadas ao comportamento social, como a ocitocina. “Ela leva a uma diminuição do nível de estresse e agressividade. Isso aumenta a formação de parceiros e facilita as conexões sociais. Por isso os estressados têm mais dificuldade de contato social”, diz o neurologista Roger Taussig, do Hospital Beneficência Portuguesa. E ouvir algo que alguém com ascendência sobre você está falando faz com que sua rede de neurônios fique em alerta. “E mais substâncias vão sendo liberadas e mais áreas estimuladas”, explica Saul Cypel, neurologista do Hospital Albert Einstein. Antes de chegar ao cérebro com suas altas doses de bem-estar, as amizades precisam passar por uma gincana psicológica. “Elas nascem dos interesses em comum, da identidade, dos princípios, daquilo que você gosta e deixa de gostar – até que se provem pela confiança”, afirma Thiago Almeida, psicólogo e pesquisador da Universidade de São Paulo (USP). Trata-se da sensação típica que paira sobre grupos que desenvolveram elos com base em provas de amor e apoio em momentos difíceis.


Empatia
... Sentir-se mal e correr para socorrer um amigo explica-se pelo sentimento que a medicina chama de empatia, uma espécie de sintonia entre os cérebros. “Todo momento difícil de alguém querido é representado dentro de um sistema de percepção que envolve nossas próprias perdas e frustrações”, explica Edson Amaro, professor de neurologia da USP. “No caso das pessoas queridas, a dor do outro mobiliza a nossa dor. Assim como as alegrias”, completa o psicólogo Thiago Almeida. É por isso que Aristóteles definia o aditivo natural que são os bons amigos assim: “A amizade é uma alma em dois corpos”."



domingo, 2 de agosto de 2009

Só, somente só!


DANUZA LEÃO

Tem solução? Talvez


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Elas sabem que somos todos fundamentalmente sós, embora procuremos negar essa realidade
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O UTRO DIA combinei de jantar com uns amigos; nos encontraríamos diretamente no restaurante às 10h. Mas sabe aquele dia em que você não está muito bem? Para dizer a verdade, está mal?
Quando se está assim a pele fica sem brilho, o cabelo fica ruim, mas você pensa: chego lá, tomo uma bebida, e quem sabe, tudo pode melhorar. Peguei um táxi, mas o trânsito estava ruim, tudo parado. Olhei para o lado direito, uma calçada vazia; à esquerda, um ônibus, também parado; o motorista, jovem, olhou umas duas vezes para o relógio. Alguém devia estar esperando por ele, pensei. E pensei também no meu quase tédio, indo para um restaurante caro, cuja conta seria provavelmente mais alta do que seu salário de um mês e onde ele jamais poria os pés.
Fiquei pior.
Como seria a vida daquele motorista? Se às 10h da noite ele ainda estava trabalhando, devia começar lá pelas 2h da tarde -e provavelmente fazia um biscate na parte da manhã.
Devia morar longe, tendo que largar o ônibus e pegar uma condução para chegar em casa, o que aconteceria lá pelas 11h. A essa hora a mulher talvez já estivesse dormindo, e ele ia ter que fazer um prato e botar para esquentar antes de cair na cama, morto de cansaço e sem ter nem com quem conversar.
O que será que aquele motorista pensava da vida? Que era assim mesmo que tinha que ser? Ou teria planos, planos de poder ir a um restaurante de vez em quando, tomar uma cerveja, voltar para casa, abraçar a mulher com muito amor, sabendo que no dia seguinte ia poder acordar mais tarde, botar uma bermuda e ficar em casa de bobeira, vendo qualquer coisa pela televisão?
De toda maneira, ele certamente estava melhor que eu. O trânsito não andava, e eu só prestava atenção no motorista. Ele estava tranquilo, cumprindo sua obrigação, sem nenhum sinal de impaciência; apenas vivendo sua realidade, sem pensar em muita coisa a não ser no trânsito, que não era para estar assim parado àquela hora. Teria acontecido algum acidente? Não, era só porque tinha começado a chover. Os carros começaram finalmente a andar, e cheguei para o meu encontro. O bar era moderno, aliás moderníssimo, os sofás, de couro, e a música que tocava, absolutamente insuportável. Tomei o primeiro drinque rápido, o segundo mais devagar, mas não consegui entrar no clima. Num espaço muito curto de tempo tinha vivido em dois mundos, não sabia qual era o real, e sentia que não pertencia a nenhum dos dois.
Ao do motorista, certamente que não; ao do bar onde estava, tão sofisticado e tão chique, também não.
Então não pertencia a mundo nenhum? E alguém pertence a algum?
Algumas pessoas são assim; em certos momentos têm a ilusão de fazer parte de um grupo, seja ele político, intelectual, boêmio, de meditação, ou a qualquer outro, mas nunca conseguem. Elas sabem que somos todos fundamentalmente sós, embora procuremos durante todo o espaço de uma vida negar essa realidade, que nem chega a ser triste, é apenas a realidade. Quanto esforço elas fazem -fizeram- para se encaixar em algum desses universos sem nunca conseguir; e será que alguém consegue? De verdade?
As pessoas às vezes se sentem irremediavelmente sós; mas basta um dia encontrar um novo amigo, um novo amor, para o mundo ficar mais bonito e a vida voltar a valer a pena.
É isso que se procura e às vezes encontra; e quando acontece, é bom demais.

danuza.leao@uol.com.br